sexta-feira, 3 de junho de 2011

Os Filhos da Guerra

Falar dos Deficientes das Forças Armadas e da sua associação representativa, a ADFA, 36 Anos após a Revolução dos Cravos, é, não só um desafio interessante mas, acima de tudo, um exercício extremamente aliciante. Toda aquela geração de 60 ficou bem marcada e representada pelos milhares de jovens militares que, em função de ferimentos ou doenças adquiridos no serviço ou em combate, povoaram os hospitais militares, onde a pouco e pouco foi germinando um movimento de contestação e uma tomada de consciência. Os muitos Oficiais e Sargentos Milicianos que passaram a integrar os contingentes militares, fizeram com que a pouco e pouco, entre os internados nos hospitais, surgissem alguns grupos e núcleos, mais esclarecidos, que entre si iam questionando a razão e o porquê de ali estarem e da sua situação. Os ventos de mudança, as novas mentalidades e a nova consciência social trazidas pela Primavera de 68 em Paris, e que a pouco e pouco foram influenciando as camadas jovens e universitárias, contribuíram igualmente para esta tomada de consciência por parte dos deficientes militares e também das novas gerações de milicianos que iam sendo incorporadas. (…) Quando em Fevereiro de 1961, eclodiu a revolta armada em Angola, com a luta pela independência, liderada pelos movimentos UPA/FNLA, MPLA e mais tarde a UNITA, o governo português viu-se de um momento para o outro confrontado com a necessidade de enviar grandes contingentes militares para as colónias. Este deflagrar da guerrilha em Angola rapidamente teve repercussões nas outras colónias, tendo a luta armada sido iniciada em 1963 na Guiné e em 1964 em Moçambique. Deu-se assim início a um período dramático da história recente de Portugal, os anos da Guerra Colonial ou do Ultramar, que se prolongou até 1974 e que marcou radical e profundamente toda a sociedade portuguesa e muito especialmente os jovens que desde 1961, se viram obrigados a participar numa guerra, condenada pela opinião pública mundial e dificilmente justificada pelos governantes portugueses. Estima-se que durante os 13 anos de guerra, mais de 1 milhão de jovens portugueses tenha passado pelas fileiras, tendo nos 3 principais teatros de operações muitos deles tombado e muitos outros daí regressado incapacitados e com deficiências permanentes. Uma vez mais o país se viu perante uma situação para a qual não estava preparado, e que rapidamente começou a gerar situações de inconformismo, preocupação e desespero entre a sociedade civil e sobretudo, entre os familiares que viam os seus entes queridos regressarem mortos ou estropiados. Para além da inoperância e da incapacidade dos hospitais militares, da inexistência de técnicos qualificados e centros de reabilitação capazes de receber os mutilados e traumatizados de guerra e de lhes dar reabilitação física e protésica adequada, também não existia qualquer programa de reabilitação e reinserção social e profissional, nem nenhuma linha de apoio de retaguarda, com centros de acolhimento para os grandes deficientes nem tão pouco, qualquer legislação que consagrasse direitos de apoio e subsistência a esses militares. (…) A memória dos homens é curta e os sentimentos e as emoções que normalmente acompanham os grandes momentos de viragem na vida de um povo vão-se quase sempre diluindo, caindo no esquecimento ou perdendo a importância que num determinado contexto adquiriram. A força que o movimento dos Deficientes das Forças Armadas representou no período revolucionário do Pós 25 de Abril, o seu impacto na opinião pública e porque não dizê-lo, o interesse que representava para algumas movimentações politico partidárias, deram um protagonismo as estes milhares de militares e à sua causa, que muito contribuiu para levar o poder democraticamente constituído, a decretar e a publicar legislação que contemplasse os seus legítimos direitos e lhes abrisse as portas para uma verdadeira integração socioprofissional. Embora continue por esclarecer, em definitivo, o número total de militares que na Guerra do Ultramar adquiriram deficiências ou incapacidades permanentes, os números variam consoante as fontes (MDN, Estados-Maiores, Associações e Organismos de Veteranos e de Deficientes Militares, etc.), os dados fornecidos pela Caixa Geral de Aposentações em 1995, afiguram-se-nos como sendo os mais credíveis e próximos da realidade. Nesta data já tinha decorrido tempo suficiente para que tudo se organizasse, para que muitos processos fossem reabertos e reorganizados, e enfim para que esta parte da problemática dos deficientes militares estivesse já administrativa e burocraticamente resolvida. (…) António Neves, 2010.





Nota Biográfica: António Neves, nascido no ano 1949; Oficial Superior do Exército, Tenente Coronel na situação de reforma extraordinária; Licenciado em Estudos Europeus; Mestre em Gestão de Organizações Desportivas (MEMOS); Actualmente a finalizar a Licenciatura em História; Formação Técnica na Área da Informática; Conselheiro da CP para Clientes com Necessidades Especiais (CNE), desde 2004; Foi dirigente da Federação Portuguesa de Remo e responsável pelo Remo Paralímpico até Março de 2011; Presidente da Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes (FPDD) – 2001/06; Responsável pelo Projecto Super Atleta Atenas 2004 e lançamento do Pequim 2008; Presidente da International Blind Sport Association (IBSA-EUROPA) – 2005/06; Membro do Conselho Superior do Desporto de 2003/05; Presidente do Conselho Fiscal da Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) – 1977/79 e de 1993/95; Presidente da Delegação Regional do Sul e Ilhas da Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal (DRSI – ACAPO) – 1998/00; Viveu em Angola, Nova Lisboa e Lobito, desde 1955 até finais de 1975; Como atleta federado praticou Hóquei Patins, como júnior e sénior no Lobito Sport Clube; Iniciou-se no Remo como júnior; A partir de 1977 e já como Deficiente das Forças Armadas, praticou atletismo e ciclismo; Tem como “hobby”, além da informática, leitura e música, o rádio amadorismo (CT1AHF), sendo fundador do Clube de Rádio Amadores de Cascais e Vice-Presidente da ARIES – Asociación de Radioaficionados Invidentes Españoles; É sócio fundador do Jam Session – Clube de Jazz de Cascais; Em parceria com um antigo camarada, Armando Magno, colaborou e foi director do jornal “online” Jornal Passa-Palavra. Sócio da ACLAL.