sexta-feira, 10 de julho de 2009

Palavras adormecidas e outras vozes...






- Truz-truz!
- Entrai. Sede bem-vindos.
Iniciada a viagem, diante de nós a memória é o caminho do indefinido, dum mundo de imprevisto, diálogo incessante da dinâmica da Vida, simbiose entre o futuro, o presente e o passado.
Com todos os que dão magia e sonho à palavra escrita, comungamos.
É com encantamento que, nestes encontros, o pensamento perscruta a dimensão criativa, esta riqueza humana desperta de conhecimento.
Celebra-se a peregrinação das palavras adormecidas.
Continuaremos, essencialmente, na busca da essência do tempo, vivenciando em pleno fontes de alegria da profundidade do Ser.
Ali, no cimo do monte, parados no interior do automóvel, a uma escassa meia dúzia de quilómetros depara-se-nos a aldeia que se estende por vastos terrenos constituídos por vales e várzeas.
Abrigada pela privilegiada beleza da Serra, uma graciosa terra transmontana de gente notável e provida de talento se avista.
Ventanias de aromas povoam as casas de pedra da aldeia do mundo. Um caleidoscópio de manifestações de regionalismo pleno atinge a constelação de todos ao som de instrumentos musicais tradicionais, guitarra portuguesa, bandolim, audição de música clássica e salmos.
Chamavam-lhe aldeia do trabalho. Vales e pedras cobriam os seus terrenos de lavradio e recantos, que homens foram talhando ao longo dos séculos. A quinta, abundante de tudo, renascia todos os anos cansada de trabalhos corpulentos. A mina permanecia firme e a água, fonte da vida da aldeia, continuava a correr límpida e fresca.
Aquele solo era amado por Deus, como um filho.
O simbolismo dos Anjos esculpidos em pedra pelas mãos de mulheres e homens, reunidos no alpendre da capela, junto da mãe-torre, perpetuam no céu a mensagem de Aleluia das vozes do campo, do vale, da montanha e dos sonhos das crianças.
Descendo a encosta pela estrada macadame, dirigimo-nos à aldeia de infância de Francisco. Olhamos os lameiros, os trabalhos de terraplenagem iniciados nos lugares das Almoínhas, nos Casarelhos e na Corriça. O começo da instalação de bocas de rega para os novos pomares já se avizinha.
Junto ao casarão o quintal estava a ser tratado pelo primo António, mais velho cinco anos, que ficara a viver na aldeia, enquanto Francisco decidira ingressar na vida militar, fazendo algumas comissões no Ultramar, com regresso definitivo à Metrópole nos anos sessenta.
Dirigimo-nos ao pátio secular, de uma beleza incomparável, onde os amores-perfeitos, a trepadeira de lilases e as rosas despontavam luzes, cores e odores celestes todas as madrugadas. As sombras, os canteiros e os bancos arrumados despertavam os convidados a sentirem a auréola, procurando num desabrochar duma planta a mais pura e incognoscível manifestação da natureza.
Os arbustos, verdadeiros arautos da essência do porvir, cresciam junto às largas escadas, por onde Francisco subira para entrar em casa.
Entre velhos manuscritos caligrafados em folhas de papel velino e uma vela de candeia, Francisco vai enxergando os vultos das letras e os desenhos assimétricos que sua mãe Amália lhe deixara. As folhas já soltas, envolvidas por um xaile, no interior da arca, vêm reconstituir um lugar no tempo da sua íntima emoção. A toalha branca do Domingo de Ramos, o âmbar e a cidreira repousavam junto das cartas de sua mãe.
Sozinho, no quarto de seus pais, vai examinando as estampas, as escassas fotografias e os catálogos amontoados nos móveis da casa de pedra.
A trovoada fulgurante prolongava-se pela madrugada e os clarões rasgavam silhuetas nos muros da sua memória.
Quando a saudade toldava o coração, no sentimento de Francisco penetravam as mais diversas palavras agridoces, paisagens e vozes vivificantes.
Recorda as imagens de seu pai, homem de cérebro arrojado que procurou no próprio conhecimento, o entendimento, a vida, o seu sentido e o seu valor, sentado na eira, nas noites de Verão, balbuciando episódios do quotidiano.
A recitação de poesia partilhada pelo encontro de gentes da terra, de outros lugares e sentimentos, envolvia-os em viagens nómadas, inéditas, singulares, de imagens telúricas e saborosas.
Ficamos dias, sem pressa.
Demoramo-nos nos diálogos férteis de inteireza humana.
Revisitamos os compartimentos, os olhares profundos e os rostos familiares. Ali, naquele lugar, as vozes vinham ao encontro de todos.
Entre dois nacos de boroa, um caldo feijão e um bolo de cenoura, acende-se o fogo quente no rés-do-chão, que depois há-de servir para aquecer as longas horas dos serões.
A grande mesa rectangular estendia-se pela sala rústica, onde todos se reuniam para dividir o conduto e o trabalho. Cenário de diversos instrumentos espirituais, religião, superstição, ciência e filosofia, nela cabiam todos. Irmãos, primos, tios, pais e avós de Francisco, ali, edificavam projectos, venciam rotinas do trabalho braçal, diziam histórias, falavam dos estudos e da escola na aldeia vizinha, tocavam músicas da Banda Filarmónica, contavam a jorna e rebuscavam sonhos longínquos de novos céus. Eram deleitosos os convívios, profícuos em trabalho e em humanidade.
Já o céu estava povoado de silêncios, quando nos recolhemos na oração, de joelhos junto ao oratório, num momento de resignação.
Por fim, reinventamos as palavras adormecidas e outras vozes. Vozes dos anjos, vozes de pedra, vozes de estrelas, guardiãs da nossa própria consciência.

Cristina Correia, in Percursos - 2006

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Uma Palavra


Aurora Duarte Simões de Matos nasceu em Meã, concelho de Castro Daire, em 1942. Fez estudos secundários no Colégio de S. Tomás de Aquino em S. Pedro do Sul e no grande Colégio Português em Viseu. Em 1960, diplomada pela Escola do Magistério Primário, iniciou a sua carreira de docente que passaria pela Educação Especial. Colaboradora de vários órgãos da Imprensa Regional, publicou em 1997 o seu primeiro livro de poesia "Poentes de mar e serra", com o apoio da Câmara Municipal de Castro Daire. Foi distinguida em 1998 com o Galardão da Casa-Museu Maria da Fontinha, como "poeta, notável cantora das nossas serras e gentes, pelos relevantes serviços prestados à cultura".
UMA PALAVRA - Livro de subtilezas, sonhos, dores, amores, esta obra de Aurora Simões de Matos é uma descoberta irresistível. Semi-ocultos, semi-diluídos mas não inexistentes, os gestos, os sentimentos ganham nela luz e memória de singular repercussão. O poético, o feminino (não no sentido feminista), o religioso (no sentido de religador), o cúmplice (no sentido de partilhável) atingem aqui respiração e significado invulgares. Escrita de tonalidades imprevisíveis, a obra desta autora afirma-se uma descoberta irresistível. Lê-la devagar é imergir num universo de tons intensos onde a natureza (as estações do ano balizam o seu novo livro) ganha uma pujança que nos envolve para sempre. A harmonia da prosa e do verso, dos olhares e dos sentimentos não tem fronteiras, tudo dilata, acrescenta-nos. (do prefácio) Fernando Dacosta (escritor)

sexta-feira, 3 de julho de 2009

Histórico do Museu Maria da Fontinha


Histórico do Museu Maria da Fontinha
Museu Maria da Fontinha, em requalificação até Maio de 2009
Este Museu foi construído durante os anos de 1982 e 1984; situando-se num local de beleza deslumbrante. Do edifício vêem-se dezenas de aglomerados populacionais, predominando os verdes dos montes, os amarelos vivos dos tojos e giestas, os roxos e lilases das urzes e dos rosmaninhos e todo o Vale do Paiva. Aí, em casa centenária, viveu uma Mulher, exemplo de Mãe e Cidadã, cuja bondade ainda hoje é recordada pelos mais idosos, seus contemporâneos. Muito se tem escrito sobre Maria do Carmo do Rosário, de seu nome, do Museu da Fontinha, do lugar de Além do Rio. Viveu 73 anos, tendo falecido na Cidade do Rio de Janeiro, em 3 de Maio de 1970, aquando da sua primeira visita ao Brasil, a rever os dois filhos que aqui aí se encontravam desde a década de quarenta, desempenhando funções de Direcção na empresa “Mateis e Cª Têxteis”, na Rua dos Beneditinos, primeiro e na Rua Visconde de Inhaúma, depois. Descendentes, brasileiros, deixou e existem filho, nora, três netos e cinco bisnetos. Os seus restos mortais encontram-se hoje no Jazigo da Casa da Fontinha, cuja construção, de estilo “clássico”, totalmente de granito maciço, contém o seu sarcófago, específica e artisticamente concebido, de acordo com o seu merecimento.É desde sempre íntima a relação das suas gentes com o Brasil que todos admiram e amam; sendo certo que quatro irmãos na Maria da Fontinha aqui estão sepultados e cá vivem seus filhos, netos e bisnetos, todos brasileiros. Foi inaugurado o Museu, em 5 de Agosto de 1984, pelo Presidente da República Portuguesa, General António Ramalho Eanes e Exma. Esposa, com a presença do então Ministro da Cultura, Dr. Coimbra Martins; representante dos Embaixadores do Brasil, Espanha e Autoridades diversas.É, eventualmente, o Museu particular do País mais completo e com maior número de obras. Assim, do seu acervo, constam hoje cerca de 1400 quadros, 250 esculturas; centenas de peças e alfaias de etnografia; milhares de exemplares de mineralogia e geologia; idem, de moedas romanas; porcelanas “Companhia das Índias”; faianças e cerâmicas portuguesas; curiosidades diversas e, inequivocamente, o maior acervo de pinturas (cerca de 300), esculturas (cerca de 30) e peças, oriundas do Brasil e ou de Autores Brasileiros (neste momento, talvez o maior acervo no exterior ao Brasil).As entradas são gratuitas. O Museu é financiado inteiramente pelo seu Director e pelas empresas de que este é Administrador, v.g. São Macário Turismo, Mariparque, S.A., Pousos Alegre-Empreendimentos Turísticos de Leiria, S.A., Aldeamento Varandas do Lis e Reimobil-Imobiliária da Quinta do Rei, Lda. O seu Director, ou pontualmente outro “Amigo do Museu”, em representação desta, actuam, como jurados, sistematicamente, em Concursos de Pintura e Escultura. A Capela do Museu, está dotado de frescos, de rara beleza e sensibilidade que ali foram pintados, durante meses, pela Brasileira, Maria Alcina Castelo Branco. Nesta deparam-se-nos também 14 peças artísticas do grande escultor Francês, do séc. XIX, “DUTRUC”. Do seu acervo constam cerca de 700 Artistas, pelo que seria fastidioso nomeá-los. No entanto, dos já falecidos, sempre se referem originais de Soares dos Reis, Teixeira Lopes, Jorge Barradas, António Paiva, Delfim Maya, José Rodrigues, António Duarte, António Santos; e muitos outros, quanto a escultores Malhoa, Sousa Pinto, Smith, Cândido da Cunha, Carlos Reis, Silva Porto, Columbano, Alves Cardoso, Abel Salazar, Manuel Filipe, Rezende, Anunciação, Domingos Sequeira, Vieira da Silva, Arpad Szenes, João Vilaret, António Saúde, Eduardo Viana, Dali, Lozano, António Carneiro, e Di Cavalcanti, Glauco Chaves, Carlos Gomes, Cordélia Andrade, Sampaio Parreiras, José de Dome e Óscar Tecídio e muitos outros, pintores. Estão ali representados, hoje, mais de 170 Autores Brasileiros. Em 2000, levou a efeito dez grandiosas exposições, compostas de 500 peças (pintura, escultura, “vária”), do Brasil, em 10 cidades do País, com o tema “BRASIL 500 ANOS”, as quais foram em todos os locais muito apreciadas. Possui as medalhas dos Concelhos de Castro Daire, Batalha, Figueiró dos Vinhos e das Cidades de Pinhel, Leiria, do Embaixador Jean Dawalibi, da Ordem dos Advogados, da Casa-Museu Rosália de Castro; Galardão da Sociedade Artística e Musical de Pousos, do Rancho da Região de Leiria, da Casa do Minho do Rio de Janeiro, do Coral do BNU, da Tertúlia Vimaranense (Cidade de Guimarães). Tem sido muitas vezes ao longo da sua existência divulgada em revistas e jornais.Visitaram-na já Presidentes, Embaixadores, Ministros, Bispos e milhares de Artistas que deixam sempre as suas favoráveis e enaltecedoras opiniões (espanhóis, franceses, alemães, ingleses, brasileiros, argentinos, mexicanos, israelitas, moçambicanos, angolanos, irlandeses, russos, ucranianos e italianos, nomeadamente). Constitui-se, actualmente o “Grupo Museológico do Automóvel Antigo e Clássico”, compreendendo já 57 unidades, desde 1909 a 1980; com exemplares raríssimos a outros que são lenda e ou pertenceram a personalidades mundiais. É intenção firme autonomizar-se do existente, todo o património artístico de raízes brasileiras, constituindo-se o “Grupo Museológico de Artes Brasileiras”, cujas Salas, à semelhança do que se nos depara actualmente, terão, cada uma, o seu respectivo Patrono, dentre os Grandes reconhecidos; os quais são, felizmente, muitos. Estreitam-se cada vez mais as relações do Museu com os Artistas Plásticos do Brasil e com Instituições Culturais que os representam. Tal movimento vai, por todos os meios disponíveis, ser incrementado, para enriquecimento do Belo, da Arte, da Beleza, e das relações entre o Brasil e Portugal.
Publicada por Arménio Vasconcelos