terça-feira, 19 de outubro de 2010

Séculos de Natal

"Mãe, eis aqui os teus filhos, fracos e extravagantes. Não os julgues pelo seu vil cansaço"
Charles Péguy

É Natal no mundo.
Há luzes acesas e nuvens no céu,
em Nagasáqui e Hiroxima.
Solitária, a lua colorida
vê gritar o silêncio da guerra,
vê arder semente, raiz, árvore inteira...
Aviões e navios bombardeiam Beirute.
Ao raiar do século, há abraços fraternos,
novelos de chuva e fendas no mar.
Não sei com que pulsos
podemos parar!

É Natal no mundo.
Entre cruzes e almas cintilando,
vejo tão só um pássaro faminto
e vozes gemendo e montes gritando...
Há espaços abertos de gritos e euforia,
no olhar de milhões de pessoas sem abrigo.
Os horrores, em Ruanda, não param de soprar.
Há "campos de matança" no Camboja,
num tempo sem chegadas nem partidas.
Não sei com que dinheiro
podemos pagar!

É Natal no mundo.
Na Mongólia e na Argélia,
no abandono da hora da vida.
Espreitando à janela, aquela criança
vê o míssil lançado à distância,
sem minutos de histórias e brinquedos de esperança...
Em Budapeste, as terras tingem-se de sangue.
O teu canto, colibri, já o não sinto.
Solitária, apenas a lua triste prisioneira.
Não sei com que vidas
podemos contar!

É Natal no mundo.
Desses tristes humanos,
nas teias do “Iraquegate”, já vimos a morte,
já vimos a dor de uma guerra sem fime, nas mãos de uma mulher, um pinheiro, um jasmim.
Solstício de mel, de aromas de vinho,
de canela, de lembranças e de bolinho,
sobre a toalha de renda, um farnel recheado.
É dia de amor, de paz e de sonhos,
por um leito de um beijo, abafado de dor e raiva contida.
Não sei com que Natal
podemos brindar!

É Natal no mundo.
Nas ruas que ninguém vê,
as lágrimas rolam nos passeios, nas caixas...
Há côdeas, há pobres,
muitos pobres... e fome que se esquece.
Na Somália e no Chade,
as vítimas são crianças.
Não sei com que futuro
podemos recordar!

É Natal no mundo.
Não sei com que amanhã
podemos acordar!

Cristina Correia