quinta-feira, 7 de julho de 2011

Na água do tempo




«Entre Julho e Agosto, A-Ver-O-Mar- 1961 Passam nuvens carregadas de chuva, empurradas pelo noroeste. Será finalmente a benção, tão pedida, para os milhos esganados de sede? Ou o noroeste é o varrer dessa promessa e teremos outro dia límpido e de sol aguilhoado?Já conheço os aprestos: o ganha-pão, a graveta, a carrela, as poitas, o vertedouro, as nassas, as siglas nos remos e nos paus. Já sei achãosar, estender, embora me avenha mal a empadelar. Tomo conta dos cachopos enquanto as mães andam nas carreladas ou na beirada. A minha vida entrelaca-se com a deles. (…)Enraízo-me. E maravilho-me com as algas. Vidradas umas, assedadas como flores, outras. Fendidas como guelras. Penugentas como borlas. Com texturas de tecido, de borracha, de látego. E o precioso coral das buzininhas, misturado às sardas dos beijinhos ou à madrepérola axadrezada dos caracóis. As transparências e os brilhos ressuscitam toda a beleza da Terra. Há uma exaltação de começo do mundo, quando o azul ultramarino, varrido pela nortada se encrista de luminosas espumas.(…)»

Na água do tempo -diário por Luísa Dacosta, Quimera Editores, 1992 ; publicado também pelas Edições Asa